John Shook, primeiro sensei não-japonês da Toyota e um dos grandes nomes do Lean, em seu artigo de 2010 “How to Change a Culture: Lessons From NUMMI“, conta como foi a experiência de mudar uma cultura de uma organização, mais especificamente sobre a transformação de uma unidade da GM em decadência em uma unidade Modelo com a mentalidade Lean e voltada para o crescimento do Sistema Toyota de Produção.

Esta é a minha resenha e interpretação  do artigo original “How to Change a Culture: Lessons From NUMMI” de John Shook para o MIT Sloan, 2010.

Contexto: Joint Venture GM + Toyota – Década de 80 

No início da década de 80, a Toyota e a General Motors inciam um empreendimento em conjunto (joint venture) em uma planta da GM em Fremont na California. O empreendimento foi chamado de NUMMI, New United Motor Manufactoring Inc.

Uma parceria curiosa tinha seus objetivos de ambos os lados:

  • Motivador GM: colocar uma fábrica decadente de volta nos trilhos e conhecer um pouco sobre o famigerado Sistema Toyota de Produção.
  • Motivador Toyota: Expandir produção no ocidente, mas acima de tudo conhecer e aprender com o mercado americano. A joint venture permitia obter um aprendizado rápido e navegar em águas estrangeiras com equipes nativas seria mais fácil. Este objetivo de aprendizado iniciou desde o primeiro dia no melhor lugar para se aprender, no nível operacional.

Toyota se preocupava em transplantar seu aspecto mais importante do seu sistema de produção – como cultivar envolvimento dos colaboradores em um ambiente de trabalho precário como o de Fremont. Toyota se perguntava como colaboradores com tamanha má reputação poderia ajudá-los a construir qualidade. Como poderiam suportar o conceito e prática de trabalho em equipe?

Mudança de Cultura Organizacional

Shooks Pyramid
Pirâmide de transformação cultural de John Shook, inspirada no modelo Schein

O especialista em cultura corporativa do MIT, Professor Edgar Schein explica que que você não muda a cultura tentando mudá-la diretamente. A abordagem ocidental típica para a mudança organizacional é começar mudando a cultura ao tentar fazer com que todos pensem da maneira correta, esperando que seus valores e atitudes mudem e comecem naturalmente a fazer as coisas certas. Isso é representado pela seta do lado esquerdo, que vai de baixo para cima na pirâmide acima (Old Model). John Shook aprendeu que o que foi mais poderoso na transformação cultural da NUMMI foi começar com os comportamentos, com “o que fazemos”. Definindo as coisas que se queriam fazer, as maneiras que a liderança queria se comportar e o que se esperava que cada um se comportasse. Fornecer treinamento e fazer o que fosse necessário para reforçar esses comportamentos. A cultura mudou como uma consequência. Essa é a seta do lado direito, indo de cima para baixo representada na pirâmide (New Model).

É mais fácil agir da forma certa e esta gerar uma nova maneira de pensar do que pensar diferente e esta gerar uma nova maneira de agir.

E como se mudou o comportamento para mudar a cultura?

O que mudou a cultura na NUMMI foi dar aos empregados meios pelos quais eles pudessem realizar seu trabalho com sucesso. Foi comunicando claramente desde o início quais eram seus papéis na organização e prover treinamento e ferramentas para que os empregados pudessem exercer seus trabalhos com sucesso.

O processo de parada de linha andon (ferramenta que permite o trabalhador parar a linha de produção inteira quando encontrasse um defeito parar que o defeito não fosse propagado ao resto da linha, eliminando o defeito na fonte, gerando qualidade na fonte e aprendizado) é um bom exemplo de como comportamento direcionou na forma de se pensar.

O andon influenciou diretamente como o trabalho é realizado, promovendo engajamento e comprometimento, pessoas reconhecem seu papel como geradores de qualidade na fonte e há uma quebra de paradigma de como são tradados os problemas. No modelo Toyota, os problemas são expostos assim que encontrados para que se chegue numa solução colaborativa o mais rápido possível. Isso vai contrário à cultura organizacional ocidental, onde problemas são vistos como problemas de fato e as pessoas tendem a escondê-los tentando resolver a todo custo antes que estes problemas transpareçam ou que cheguem a níveis superiores e quando o problema precisa ser escalado já tomou proporções maiores onde há um trabalho muito maior para resolver, pois há medo de represálias. Na cultura Toyota, problemas são vistos como oportunidades de melhoria e o foco é na causa e não em encontrar responsáveis para receber a culpa.

No início do processo, líderes americanos que eram capacitados no modelo Toyota, fazendo imersão na planta de Takaoka no Japão, em sua maioria, diziam o que queriam levar de volta a planta de Freemont:

“A habilidade de concentrar-se em resolver problemas sem apontar dedos e procurar um culpado. Aqui no Japão, utiliza-se a técnica dos “5 Porquês” (5 Whys – o que significa simplesmente perguntar “porquê” repetidamente até encontrar a causa raiz de qualquer problema). Lá em casa (EUA), costumávamos usar a técnica dos “5 Quem” (5 Whos).”

Ou seja, chamar a atenção para a resolução do problema ou no comportamento a se mudar e não ao indivíduo por ter “errado”.

John Shook comenta que os americanos costumam usar frequentemente o termo “no problem” (sem problemas) para quase tudo e não é diferente no meio corporativo, com a cultura de ocultar  problemas. Durante o processo de transformação da unidade de Fremont, quando os americanos diziam “sem problemas” a resposta japonesa era “não ter problemas é um problema”, pois sempre há problemas ou questões que necessitam algum tipo de contorno ou uma forma melhor de cumprir a tarefa e enxergar esses problemas é uma tarefa crucial para qualquer gerente.

Conclusão – Propósito, Processo, Pessoas

Você não muda uma cultura simplesmente declarando-a e espera que a mesma transforme valores, crenças, comportamentos e atitudes. Você muda o dia-dia das pessoas, como elas executam o trabalho, de forma que se sentam parte do negócio e com propósito em comum que, por consequência, você muda valores e crenças e por fim a cultura organizacional é transformada.

Provendo processos e ferramentas como o andon, gerou-se confiança mútua entre colaboradores e empresa, pois empoderou-os com o papel de geradores de qualidade por meio de identificação de falhas na fonte e engajou os empregados com o trabalho e um com os outros, fortalecendo o propósito em comum para resolver problemas (melhoria contínua) promovendo também o trabalho em equipe e colaboração.

As ferramentas Lean oriundas do Sistema Toyota de Produção são todas designadas a ajudar a enxergar problemas, facilitar sua resolução e aprender com os erros. Promovendo o aprendizado pelos erros significa mudar nossa atitude em relação aos problemas. Esta é a verdadeira mudança cultural Lean.

Referência:

  • John Shook – How to Change a Culture: Lessons From NUMMI” – MIT Sloan, 2010